Budapeste Não se Cala: Orgulho Cuir em Tempos de Repressão
Ontem pudemos assistir ao desfile de mais de 200 000 manifestantes na Marcha do Orgulho LGBTQIA+ de Budapeste, a maior de sempre na cidade. A dimensão do protesto não é indiferente às medidas repressivas que Orbán e o seu partido, Fidesz, têm imposto à comunidade LGBTQIA+. Autoproclamado defensor dos valores cristãos e das famílias tradicionais, Orbán afirma que os direitos LGBTQIA+ ameaçam a identidade nacional e os modelos familiares heterossexuais.
No passado mês de março, a direita húngara propôs a 15.ª reforma constitucional desde que chegou ao poder. Desta feita, o projeto proíbe manifestações no Dia do Orgulho LGBTQ+ e estabelece que existem apenas dois géneros, masculino e feminino, num texto que coloca o homem acima da mulher.
Orbán defende que qualquer evento ou conteúdo LGBTQIA+ que afirme existências dissidentes ou celebre transgressões de género na presença de menores — disfarçado pela máscara hipócrita de uma pretensa proteção das crianças — deve ser proibido.
Participantes da Marcha do Orgulho LGBTQIA+ de Budapeste, realizado no dia 28 de junho de 2025, atravessam a Ponte Erzsébet sobre o Danúbio. Foto: Reuters.
O balanço cuir da ação de Orbán na Hungria é assustador. Começou com a interdição estatal das existências trans* e o bloqueio da possibilidade de autodeterminação legal de género desde 2020 — uma tentativa violenta de aprisionar corpos dissidentes em papéis que lhes foram impostos. Prosseguiu com a censura ativa de presenças LGBTQIA+ no espaço público em 2021 e com a purga de conteúdos educativos e de narrativas sexuais não normativas — um esforço sistemático para apagar desejos e vidas que desestabilizam a ordem cis-hetero. Culmina com a já mencionada reforma constitucional, em março de 2025, para proibir manifestações Pride e inscrever no texto constitucional um regime de género binário, onde o masculino é declarado superior ao feminino — uma tentativa desesperada de cristalizar hierarquias e silenciar as vozes cuir que insistem em se fazer ouvir.
Em Portugal, as tentativas de silenciamento da comunidade LGBTQIA+ não se fizeram esperar com a chegada da extrema-direita ao poder. No passado mês de fevereiro, os partidos de extrema-direita conseguiram aprovar no parlamento a retirada do Guia – O Direito a SER nas Escolas, que visa promover a inclusão e prevenir a homofobia nas escolas, do site da Direção-Geral de Educação (DGE). A proposta foi apresentada pelo Partido Social-Democrata (PSD). A resolução, aprovada a 27 de fevereiro de 2025, foi da autoria do PSD e contou com o apoio de CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega — todos votaram favoravelmente, enquanto PS, BE, Livre e PCP votaram contra. De salientar que o sentido desta votação não retira, obviamente, qualquer valor ao Guia, que continua a ser cientificamente robusto e humanamente proveitoso, e permanece disponível no site da CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
Em Budapeste, porém, vimos outra história ganhar forma. Quando a multidão atravessou a ponte Erzsébet, lançou uma mensagem inequívoca: a violência sustentada pelo conservadorismo e moralismo religioso será enfrentada, denunciada e combatida. A Marcha de Budapeste pelo Orgulho LGBTQIA+ de 2025 reafirmou que não daremos um passo atrás, não voltaremos para o armário. Por detrás desta possibilidade está Gergely Karácsony, o főpolgármester (presidente da câmara) da cidade de Budapeste. Karácsony declarou o Pride um evento da cidade e autorizou a marcha de forma indireta, o que permitiu contornar a proibição imposta pelo governo de Orbán. Foi um gesto de insubmissão política ao projeto de censura e apagamento da comunidade cuir perpetrado pela extrema-direita húngara. A cidade abriu espaço para a dissidência e para as corporalidades que transbordam os limites do aceitável. Este foi o choque entre quem quer controlar corpos e afetos e quem escolhe amplificar as vozes que a norma tenta silenciar.
Budapeste transbordou em ondas de cores vibrantes, enquanto os manifestantes desafiavam a proibição. Foto: AP.
Muitos apontam que Orbán agita a retórica anti-LGBTQIA+ como cortina de fumo, desviando os olhares dos verdadeiros problemas da Hungria: a inflação descontrolada, a corrupção entranhada e a degradação social. Este jogo de espelhos é bem conhecido e, em território português, não somos exceção. Também aqui se instrumentaliza o pânico moral para alimentar a máquina eleitoral. Enquanto o país se afunda em debates inúteis sobre imigração e a nacionalidade portuguesa, os verdadeiros problemas do país ficam por discutir e resolver.
Este moralismo conservador não é um subproduto; é o próprio motor de uma política que se alimenta da exclusão. E, enquanto se multiplicam as ofensivas contra os nossos corpos e as comunidades mais vulneráveis, fingem que estão a resolver os problemas reais — quando, na verdade, são eles quem os inventa, propaga e sustenta.
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Por Orlando Figueiredo, desde as margens.
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