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um blogue sobre cultura, história, direitos e ativismo LGBTQIA+
Orlando Figueiredo
queerlab@kuircuir.pt

Da repressão à revolta: a noite em que corpos dissidentes deixaram de fugir e esconder.


Neste artigo retomo o relato dos acontecimentos que antecederam e despoletaram a revolta de Stonewall, centrando-me na noite de 28 de junho de 1969 e na rusga policial ao bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. Através de uma narrativa cronológica e contextualizada, exploro o papel da máfia na gestão dos bares gay nova-iorquinos, o ambiente de constante repressão e chantagem policial. Denoto ainda a forma como estas dinâmicas culminaram num dos momentos mais emblemáticos da história da resistência LGBTQIA+. Destaco, em particular, a resposta firme e corajosa da comunidade — com especial relevo para as pessoas trans*, travestis, jovens sem-abrigo e trabalhadores do sexo — que enfrentaram a violência institucional com determinação. Este episódio marca o ponto de viragem que catalisou o movimento moderno pelos direitos LGBTQIA+, tornando-se símbolo de orgulho e de luta até aos dias de hoje.

A Máfia e o Stonewall Inn

Antes da revolta, os bares gay de Nova Iorque eram maioritariamente controlados por redes mafiosas que exploravam uma comunidade vulnerável e sem alternativas seguras de socialização.

Durante a década de 1960, Fat Tony (Anthony Lauria), filho de um dos mais famosos mafiosos nova-iorquinos, decidiu, a descontento do seu pai, abrir um bar gay em Greenwich Village, Nova Iorque. O nome do bar: Stonewall Inn.


Fotografia da última noite de protestos na Christopher Street e arredores, onde se localiza Stonewall Inn. Foto: Larry Morris/The New York Times, 2 de julho de 1969.

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Raízes da revolta – A luta pelos direitos LGBTQIA+ antes de Stonewall


Na parte IV deste caderno sobre Stonewall, detalho eventos importantes na luta pelos direitos LGBTQIA+ nos Estados Unidos antes dos famosos motins de Stonewall. Destaca-se a primeira manifestação conhecida em 1964, liderada por Randy Wicker, em resposta à quebra de confidencialidade pelo exército estadunidense, que propositadamente divulgou dados de homens gays que serviam na insituição. Em 1965, vários protestos ocorreram, incluindo um baile de máscaras em São Francisco que resultou em confrontos com a polícia, e os Dewey's sit-ins em Filadélfia, onde adolescentes e ativistas protestaram contra a discriminação num restaurante. Em 1966, houve protestos contra a discriminação em bares e a primeira manifestação de orgulho do mundo. A violência policial em Los Angeles em 1966/67 e a celebração do Dia de São Patrício por drag queens em 1968 também são mencionadas. O artigo encerra destacando a importância desses eventos na luta contínua pelos direitos LGBTQIA+.

Membros do Council of Religion and the Homosexual

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Como duas noites de revolta prepararam o caminho para o nascimento do orgulho LGBTQIA+


Neste terceiro artigo, da série Do pós-guerra a Stonewall, abordo dois dos mais importantes motins que antecederam a revolta de Stonewall Inn, no ano de 1969, em Nova Iorque. São duas as revoltas que tiveram lugar em cafetarias frequentadas por pessoas LGBTQIA+. A primeira, a revolta de Cooper Do-nuts, aconteceu em maio de 1959, no centro de Los Angeles, Califórnia e foi uma das primeiras revoltas conhecidas lideradas por pessoas LGBTQIA+ contra a opressão policial. A segunda, a revolta de Gene Compton's Cafeteria, aconteceu em agosto de 1966 no bairro de Tenderloin, em São Francisco, Califórnia. Antes, porém, irei apresentar uma breve síntese do contexto socio-político, que envolveu a implementção de um conjunto de medidas repressivas e discriminatórias das pessoas LGBTQIA+, dos EUA, que esteve na origem destas e doutras revoltas.

Os motins cuir de Cooper Do-nuts, em Los Angeles, deram o mote à revolta LGBTQIA+ 10 anos antes de Stonewall

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Ecos de uma ordem silenciosa


Neste segundo artigo abordo as consequências de uma lei homofóbica e transfóbica, emitida pelo presidente Eisenhower em 1953, cujas repercussões se fazem sentir até aos nossos dias. Mais uma tentativa de melhor compreender os contextos socio-políticos estado-unidenses que antecederam os acontecimentos de Stonewall.


Quando o Estado decretou o medo: vidas queer sob o véu da Ordem Executiva 10450

Sob a égide desta ordem, uma geração viu-se perseguida por silêncios impostos e suspeitas constantes. Foi neste clima sufocante que muitos aprenderam a sobreviver, resistindo nas sombras enquanto a esperança insistia em não morrer.

Em janeiro de 1953 McCarthy completava o seu primeiro mandato [1] como senador por Wisconsin e levava três anos de implementação efetiva da perseguição às pessoas LGBTQ+. Desde a sua em 1947, McCarthy teve pouca notoriedade enquanto senador. Foi em 1950 que se tornou famoso, quando afirmou ter uma lista de funcionários do departamento de estado que eram espiões comunistas. Na sequência dessa afirmação, iniciou-se, simultaneamente, a perseguição quimérica aos comunistas e às pessoas LGBTQ+ que referi na Parte I desta série de artigos. Também nesse artigo, refiro que

em 1952, Dirksen afirmou que a vitória dos republicanos era a garantia da remoção dos lavender lads do departamento de estado.

Eisenhower não demoreu a dar razão a Dirksen e a 27 de abril de 1953 emitiu a OE 10450 que entrou em vigor um mês depois, a 27 de maio. Esta lei estabelecia os padrões de segurança para o emprego federal e proibiu, literalmente, os homossexuais de trabalhar nas instituições do governo federal [2]. Em consequência, milhares de pessoas perderam os seus empregos.


Excerto de notícia sobre a OE 10450 e o despedimento de pessoas cuir do departamento de estado.

O presidente não se limitou ao âmbito dos postos de trabalho no departamento de estado. O então presidente ampliou as políticas e procedimentos homofóbicos e transfóbicos de forma a incluir também as agências federais e as instituições privadas que tivessem contratos governamentais. No total, entre funcionários do departamento de estado, pessoal das forças armadas e privados, foram afetadas mais de 6 milhões de pessoas em todo o país. Para a comunidade LGBTQ+ as consequências foram devastadoras. Estima-se que entre 5 000 a 10 000 pessoas LGBTQ+ perderam o seu emprego – incluindo pessoal do departamento de estado, militares e privados que trabalhavam em empresas com relações contratuais com o departamento de estado – simplesmente por serem homossexuais.

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Dos sussurros do pós-guerra à alvorada de Stonewall


Este é o primeiro de alguns artigos que tenciono publicar ao longo das próximas semanas e que buscam contextualizar historicamente os acontecimentos que deram origem à revolta de Stonewall no dia 28 de junho de 1969.


A revolta de Stonewall é frequentemente tomada como o início do movimento gay nos EUA que acabou por se disseminar por todo o mundo. Os acontecimentos de 28 de junho de 1969 (pouco mais de dois anos após o meu nascimento) foram de tal forma marcantes que a celebração Pride se faz um pouco por todo o mundo nesse mesmo dia e junho é tido pelo mês de celebração do Orgulho LGBTQ+. Porém, a anteceder este dia há uma conjuntura política e social dos EUA que tem de ser entendida para melhor compreender os acontecimentos de Stonewall. A Guerra Fria e o macarthismo jogam aqui um papel da maior importância. Neste artigo abordo a ameaça lavanda – lavender scare – e de como se encontraram as desculpas mais absurdas para institucionalizar uma perseguição às pessoas LGBTQ+ que durou décadas nos EUA do pós-guerra.


Protesto liderado por Frank Kameny (1925 – 2011), um dos milhares de homossexuais que em 1957 perdeu o seu posto de trabalho devido às políticas macarthistas.

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